O meu irmão bem me
avisou. Avisou-me que estava perante um livro com a força suficiente para mudar
a mente, para mudar perspectivas, para alterar disposições, para contorcer o
estômago no momento de leitura, e muito para lá dele.
Que livro. Mas que
livro. Dou comigo nestas exclamações que a minha mente vai fazendo
e os meus dedos, escravos humildes, escrevem numa subordinação nítida e sem
qualquer hesitação. Que livro. Mas que livro!
Volvidos tantos anos
da sua publicação, há uma actualidade dolorosa no livro. Digo dolorosa porque
actualmente as pessoas parecem, de facto, condicionadas em muitos aspectos. Um
laboratório de condicionamento biológico e psicológico que rotula e “encaixa”
cada pessoa considerando as aptidões, as capacidades e a integração na
sociedade: como um molde certo, para a gaveta certa, para o armário certo, na
casa certa. Uma série de pequenas caixas, dentro de outras, numa harmonia
pré-concebida, imaginada e iludida. Muito doente.
Há uma actualidade
dolorosa no livro, já há pouco o referia. Independentemente de não estarmos sujeitos
a um condicionamento biológico e psicológico, não sermos catalogados por castas,
entre outros aspectos, trilhamos um perigoso caminho em que a moralidade –
extinta, ou muito dúbia, nesta obra de Huxley – é cada vez mais posta em causa.
O amor, esse, deixou de ser individual. Deixou de ter direitos. É uma questão
de evolução, não sejamos patetas e falemos em poliamor. Corações grandes. Mas
nessas questões, como em tantas outras, dou comigo a pensar no adágio que a
minha avó tanto dizia “muito e bem, não
há quem”. Mas quem sou eu? Fico-me pelas reticências…
E há o sofrimento,
também. Por muitos condicionamentos e pela idealização de uma felicidade
máxima, há o sofrimento. Ele existe, apesar de tudo. Soma. Um pouco de soma
resolve esse sofrimento intrometido e impertinente, que amolece corações e tira
razões.
Um cigarro, um copo de
vinho, as drogas que começam levemente até pesar no corpo que, cansado, já não
se levantará da mesma maneira. São somas e mais somas no mundo que nos
acompanha, nessa força dos dias que se vai enfrentando. E não vale a pena tapar
o sol com a peneira.
Depois, bem, depois há
sempre aqueles cujo admirável mundo novo não os surpreende, antes os faz
arrepender. Antes os faz sentir selvagens, num mundo desconhecido e desprovido
do mais importante, em que a mente trabalha por si mesma, sem botões no lugar
do coração.
“O ser diferente
condena a uma fatal solidão”
(Aldous Huxley)
“I´m only one voice in a million, but you aint taking that from me...”
Natasha Bedingfield "Strip Me"