A Solidão dos Inconstantes (Raquel Serejo Martins)

terça-feira, 16 de novembro de 2010

A chuva beija a janela, sôfrega. Eu invejo-a.
Os ponteiros confrontam-me, desafiantes, e eu sei cada movimento teu.
Esta é a hora em que estás a sair do trabalho, certo como os cereais que compras todas as Segundas-feiras. Desces as escadas calmamente, agora vais pegar no guarda-chuva, preocupado em molhar o cabelo, meticulosamente penteado.
Dizes, gentilmente, boa tarde às pessoas que mais detestas. Chegas a casa e descarregas a tua simpatia mascarada, o teu penteado começa a desfazer-se também. Um sorriso começa a crescer, acompanhado das horas felizes da função pública.
Em ti é tudo tão feliz. Tudo tão maravilhosamente programado, e feliz!
Para mim, a felicidade é feita de lágrimas. É chuva nos pés. É algodão doce nos cabelos, migalhas no sofá, livros espalhados pelo chão, lençóis que sabem histórias.
Vou deixar um dos meus vestidos no armário. Para te destabilizar.
Desculpa. Não consigo ser feliz com tanta felicidade passada a ferro.

 


Ao som de: Hootie and the Blowfish “ Let her cry”

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