A Irmã de Freud (Goce Smilevski)

quarta-feira, 6 de agosto de 2014

Um livro violento, sem o ser propriamente. Porque a violência não é forçosamente específica, mas quando existe, nebulosa ou não, é forçosamente sentida. «A Irmã de Freud» foi violentada de várias formas, do menos ao mais cruel, sendo o menos uma mera figura de estilo. Uma ironia, se quiserem.
Em 1938, numa Áustria ocupada pelo regime nazi, Sigmund Freud recebe um visto para fugir para Londres e, assim, escapar à ameaça de terror.
Na contracapa do livro também nos é possível saber que da lista de 16 pessoas que pretende levar consigo fazem parte todos, menos as suas quatro irmãs. Abandonando-as. À sua sorte. E que sorte essa.
O livro de Goce Smilevski é centrado na vida de Adolfine, uma das suas irmãs e naquela que foi a sua jornada, a sua vida, na sombra de um adorado, e estranho, irmão. Mas muito mais do que isso.
 
Neste livro conhecemos a vida cinzenta de uma mulher, cinzenta pelas sombras de várias pessoas cuja influência a marcou profundamente. Uma mãe severa que repetidamente relembra o seu nascimento como um castigo, um acidente que deveria, a todo o custo, ter sido evitado. Um irmão que guardou em si todos os seus sonhos, em papel de seda, intocáveis, que se alargam nos dias para perdurarem no coração. E, mais tarde,  para queimarem, porque extinguem à força da mágoa de quem engana, com ou sem intenção.
Ficaria o vazio. Ou o abismo. Que de tanto o olhar, olhou para ela também. Já assim dizia Nietzsche.
Quanto ao amor, também Adolfine amou muito. Mas ao lado. Amou bem, mas ao lado. Quando digo que amou bem, é porque amou com o que tinha, sem artimanhas de espécie alguma, mas igualmente sem retorno que igualasse a dimensão do que pretendia ao dar de si mesma. Ao dar de si, esperava dar ao mundo algo seu também. O desejo de vir a ser mãe acabou por se desmoronar. Por ser esquecido. Como tudo o que a sua vida representou. Num mundo de amnésias forçadas, quartos fechados, páginas viradas. Com pessoas lá dentro.
 
Dessas pessoas, a negrito, foi escrevendo e vivendo sob as teorias de um irmão que amou, com uma ternura e sensibilidade que é impossível apurar nos livros deste, sempre cru e frio. Um dos pormenores que mais me impressionou.
 
"Ia entrando na morte e assegurava a mim mesma que a morte não é senão o esquecimento. Ia entrando na morte e pensava que um ser humano não é senão aquilo de que se recorda." (p.329)
 
 
 
 
Ao som de: K's Choice "Everything for free"

"Where I go, what I'll become or who I am or what I'll be
I'll never know, but I am sure that I'll get everything for free"

 

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