O Falecido Mattia Pascal (Luigi Pirandello)

domingo, 21 de setembro de 2014

 


Luigi Pirandello (1867-1936), prémio Nobel de Literatura em 1934, nasceu em Agrigento, na Sicília transferindo-se mais tarde para Roma, onde deu início à sua carreira literária. É autor de uma vasta e variada obra, centrada na temática da identidade e numa singular visão do mundo, fortemente irónica e humorista. Escreveu um grande número de novelas, coligidas sob o título Novelle per un anno (15 vol, 1922-1937); sete romances, entre os quais figuram os célebres Il fu Mattia Pascal (1904), I vecchi e i giovani (1913) e Uno, nessuno e centomila (1926); e inúmeras peças teatrais, reunidas sob o título programático Maschere nude (1918-1935), entre os quais se incluem Sei personaggi in cerca d'autore (1930). Deste autor, a Cavalo de Ferro publicou os romances O falecido Mattia Pascal, Um, ninguém e cem mil e O turno.
 
 
 
 
Há muito tempo que Luigi Pirandello figurava como um dos autores, por mim, mais ambicionados para ler e conhecer.
Já havia lido sobre o humor estampado nas suas obras bem como a temática da identidade sempre presente.
Em «O falecido Mattia Pascal» posso constatar que a minha curiosidade tinha fundamento, uma vez que estou perante um daqueles livros que rapidamente integrou um dos melhores ou dos mais marcantes.
A originalidade do livro impulsiona desde logo a vontade de ler e terminar rapidamente na tentativa de descobrirmos o desfecho deste tão carismático Mattia Pascal.
Homem de ideias fixas, valores questionáveis, devoto a uma frágil mãe, entretanto falecida, Mattia chega a um ponto da sua vida aparentemente sem escapatória possível. Sem a fortuna de outrora e com a família num ponto de destruturação igualmente irrecuperável, com uma esposa sem amor para dar, com a perda da sua pequena menina e o ódio dado de graça por uma fria sogra, decide fugir de tudo e todos, apenas por uns dias...
É precisamente nesses dias que conhece os meandros de uma vida de jogo. Até então sem nada perceber das regras do mesmo, joga com cautela sendo surpreendido pelas sucessivas vitórias, até então recebidas com receio. O receio de principiante. Mas à medida que o tempo passa e a sorte o acompanha, Mattia Pascal começa a adotar as suas estratégias cautelosas com uma sorte ao virar da esquina, sempre à mão de semear, e que lhe garante uma quantia avultada de dinheiro. De um momento para o outro, Mattia Pascal está rico!
Caminhando de volta a casa, com os bolsos repletos de riqueza, depara-se com a notícia do seu suicídio: Mattia Pascal estava morto! Cometera suicídio, encontrado morto ao abandono num moinho após dias dado como desaparecido...
Como em todas as notícias, o choque assume a entrada principal, mas de um momento para o outro, vem a serenidade acalmar tudo e revelar as possibilidades que a nova realidade pode trazer. Na verdade, agora, Mattia Pascal pode ser quem quiser! Sem mulher! Sem sogra! Sem dívidas! Sem nada que o prenda!
Nessa onda de liberdade, que nada de tão bom se lhe pode assemelhar, parte no primeiro comboio sem destino. Começa assim a viver de cidade em cidade, durante os dois anos seguintes sem nada que o atormente...
 
"...Estava morto, estava morto: já não tinha dívidas, já não tinha mulher, já não tinha sogra, já não tinha ninguém! Estava livre! Estava livre! Que mais poderia eu querer?" (p.91)
 
Contudo, eis que surgem determinadas situações na vida do Mattia Pascal que em tudo põem a perder essa bela liberdade que agora goza. Conhece as proezas de um novo amor, as ameaças de ser reconhecido, acabando a morte por se tornar mais viva que a própria vida. Assim também um desejo crescente de voltar a tomar posse de quem fora realmente, essa necessidade de deixar de ser uma sombra, forçosamente escondida pela morte imprevista:
 
 
"...os mortos já não têm de morrer e eu, sim, eu ainda estou vivo para a morte e morto para a vida. Com efeito, que vida poderei eu ter? O tédio, a solidão, a companhia de mim mesmo? (p.229)
 

 
Com esta nova consciência que o tempo traz, Mattia Pascal não resiste a ser ele mesmo, novamente. Não resiste a viver, uma vez mais. Regressa à terra que rapidamente o reconheceu como desistente, como morto. E as surpresas não terminariam nesse ponto para o nosso protagonista.
Como morto, a vida tende a estagnar num determinado ponto. Nebuloso. Estranho. Nada flui porque assim tem de ser e apenas o esquecimento ganha raízes forçadas pelo tempo, que cresce forte na mesma medida.
A vida, essa continua. Para melhor, ou para pior, depende do ponto de vista de cada um.
Uma coisa, pelo menos, a personagem principal recuperaria: o seu nome. Podendo dizer prontamente e com vontade, sempre que lhe perguntavam: "Eu? Eu sou o falecido Mattia Pascal".
 
 
 
 
Ao som de: Gavin DeGraw "I Don't Want To Be"
 
 
I don't want to be
Anything other than what I've been trying to be lately
All I have to do
Is think of me and I have peace of mind
I'm tired of looking 'round rooms
Wondering what I've got to do
Or who I'm supposed to be
I don't want to be anything other than me
 


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