O Meu Desafio Literário 2016

quinta-feira, 31 de dezembro de 2015


Tenho uma tendência cruel a evitar clássicos da literatura portuguesa.
Não me perguntem porquê. Não saberei responder.
Sei dizer, no entanto, que este será o meu novo desafio literário para 2016: ler um clássico da literatura portuguesa em cada mês do ano numa tentativa, espero eu, de superar essa minha resistência ou quiçá, falta de oportunidade para tal.
 
Vamos a isso!
Aceito as vossas sugestões! Alguma?
 
 
Bom 2016, repleto de livros. Lidos!
 

Incumprimentos Literários de 2015

quarta-feira, 30 de dezembro de 2015

No início do ano de 2015 decidi desafiar-me a mim própria para a leitura daqueles livros que desejamos muito mas, por um motivo estranho e irritante, permanecem por ler.
Pois muito bem.
Vejam a tristeza do resultado do meu (pequeno e frustrado) desafio de 2015.
Dos seis livros propostos, li apenas dois.
 
Li 63 livros este ano e não me dignei a pegar naqueles 4.
Digam-me que estas coisas bizarras não me acontecem só a mim, dizem?!
 
 
O desafio mantém-se. Vou tentar ler esses quatro livros que faltam (Thomas Mann!) e obviamente já criei um desafio novo para 2016. Sejamos persistentes!
Em breve falo sobre ele.
 
Boas leituras!


Os Memoráveis de 2015

domingo, 27 de dezembro de 2015

Mais um ano que finda e como tradição que já se firma, é hora de inspecionar as estantes e selecionar os vencedores do ano:
 
 
 
Foi um ano feliz em leituras.
Conheci Richard Yates e muito entusiasmada guardo ainda dois livros do autor para o ano que se aproxima. Uma das maiores surpresas.
Foi também a vez de conhecer o magnífico João Tordo.
Enamorei-me com Javier Marías.
Assustei-me com o William Peter Blatty.
Boris Vian arrancou-me elogios rasgados.
Updike fez-me correr atrás da vida do inesquecível Coelho.
E Thomas Mann deixou-me sem ar enquanto subia a sua «Montanha Mágica»: o livro mais memorável de todos.
 
Boas leituras!

Os Níveis da Vida (Julian Barnes)


Acredito que li este livro no momento errado.
Talvez por ser demasiado triste, não sei.
Sei, no entanto, que independentemente do momento, certo ou errado, Julian Barnes continua a integrar o conjunto dos meus autores preferidos de sempre.
Em alguns momentos a leitura flui demasiadamente depressa, como balões que se enchem num sopro aflito. Noutros momentos, sobretudo na última parte do livro, somos confrontados com a crueza da vida, o seu último nível. Penso que aí tudo para numa densidade estranha de quem não entende o último e redentor nível de uma vida que termina.
É precisamente a última parte do livro a que mais me tocou. À escrita bonita de Julian Barnes, junta-se o sentimentalismo necessário e a verdade de quem vive uma real perda. Só com ingredientes de primeira qualidade, deste elevado nível, é que se pode evocar a verdadeira dor implicada na jornada que se vê findar daquele que tanto se amou.
 
"A dor mostra que não esquecemos; a dor realça o sabor da memória; a dor é uma prova de amor. «Se não interessasse, não interessava.»
 
 
Julian Barnes promete assim, com estes «Níveis da Vida», reflexões profundas, e sentidas, sobre o amor, a soma das partes de que aquele é feito, sobre balonismo, sobre a morte, o luto. 
Sobre pequenos nadas que justificam um pouco de tudo na vida.
 
 
 
Recomendo, claro está.

Crazy Christmas!

quarta-feira, 23 de dezembro de 2015

 
Porque um pouco de loucura fica sempre bem, em qualquer lugar.
Feliz Natal!

Flores (Afonso Cruz)

sábado, 19 de dezembro de 2015


flor |ô|
(latim flos, floris)
 
substantivo feminino
 

1. [Botânica]     Parte do vegetal de que sai a frutificação.

"flor", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2013
 
 
Dizes tu que me conheces quando tens a cara feita de lata para, desavergonhada, deixares o chapéu em cima da cama, Clarisse.
Clarisse. Nem o som do teu nome é o mesmo agora. Assim como os beijos que damos todas as manhãs. Ganharam o verdete da rotina pesada. Dos dias pesados que, monótonos, se seguem uns aos outros numa repetição esquizofrénica.
 
"Tenho a certeza de que a vida morre com a rotina e não com a morte, e que o hábito nos petrifica (...)" p.72

Várias vidas foram passando por nós, que desatentos, resvalámos pelo campo de uma indiferença que acalma os monstros da noite. Várias vidas que escondem promessas nunca cumpridas, que acalentam noites mal dormidas, que abraçam as culpas nos outros, que nos tornam impunes, que nos compram sonhos a saldos de 80%, que nos prometem mundos e fundos de mais vidas fingidas entre espelhos que reclamam respostas em voz alta.

Nesse intermédio, rejeitamos tudo Clarisse.
 
Nesse intermédio, vamos rejeitando o suave perfume das flores no exato momento em que aquela começa a cair, com a promessa de um novo fruto. De uma nova aventura. De uma nova jornada que apela a mudanças de pele, de estações e de confrontos com novos ventos.
Mudanças que rejeitámos, um no outro.
Rejeitámos as nossas próprias flores.
 
Rejeitámos tudo, Clarisse.
Para no fim, patéticos como só o ser humano pode ser, nos entregarmos aos frutos dos outros.
 
Se a flor cair, junto com o fruto, basta-nos assistir.
E quem sabe, amanhã, poderemos enfim dar um passo em frente por nós mesmos.
 
 
A minha estreia com Afonso Cruz num livro de enorme sensibilidade, sobre a capacidade do ser humano em se esconder nos mais recônditos lugares do coração, e do corpo, numa tentativa quase sempre frustrada de eliminar esse vazio estranho que atormenta, questiona e que, a muito custo, vai empurrando...


Recomendo.

A Ingratidão do Pai Natal

sexta-feira, 18 de dezembro de 2015

Encontrado no Pinterest

A Vida no Céu (José Eduardo Agualusa)

terça-feira, 15 de dezembro de 2015



O próprio autor refere o divertido exercício de imaginação que o levou à criação desta peculiar «Vida no Céu».
Estou confusa, com um pé na terra e outro no céu, entre um aqui e acolá de opiniões diversas quanto à leitura de Agualusa. Foi bom, mas não me arrebatou. Não foi mau, mas não consigo dizer abertamente que foi soberbo. Então fico ali, no limiar entre o que é e o que não é.
O mais curioso é que este pequeno livro percorre precisamente essa dubiedade.
Durante toda a leitura senti-me quase a cair entre as redes que o autor defende que existem na vida do céu. Perdi o equilíbrio da minha própria imaginação muitas vezes, tamanha racionalidade que me impede de ver o mundo de outra forma. Pés de chumbo na terra e o céu lá longe, como tem de ser.
Foi deveras difícil imaginar uma vida possível nas nuvens sem, no entanto, encantar-me um pouco com essa possibilidade.
Leiam. Talvez percebam, ou não, a minha perplexidade de ver o mundo de pernas para o ar.
Um pequeno livro para sonhadores, para os que vivem com a cabeça nas nuvens e houve quem dissesse que as nuvens foram feitas, precisamente, para quem sonha.
 
Mais do que uma história para jovens que buscam verdades que roçam as saudades antigas dos velhos, este pequeno livro de Agualusa é também - parece-me a mim - um apontar de dedo ao homem que se arma em designer religioso, mudando vontades de um Deus maior em prol dos seus pequenos grandes caprichos.
 
As consequências serão, pois claro está, a saudade do que já foi.
A nostalgia eterna do que jamais se corrige com a introdução ao arrependimento.
 
 
Boas leituras!

True Love

domingo, 13 de dezembro de 2015

 
 
Daqueles amores tipo nódoas difíceis que se prezem.
Deixam rasto. Para sempre.

Em Teu Ventre (José Luís Peixoto)

quinta-feira, 10 de dezembro de 2015


Há escritores. E depois temos José Luís Peixoto.
A mestria e delicadeza com que trata as palavras, como se fossem de cristal, num risco iminente de quebrarem com entoação forte demais, são belas e de tão simples, tocam e chegam aos sítios certos. Onde se permite sentir.  Nos sítios mais rebuscados do coração, através de histórias esquecidas e só onde um autor genial assim concebe e encanta.
 
Através da história que tanto nos diz dos três pastorinhos, esta é uma história de ficção que mais do que religião, poderão pensar, escorre amor em cada página. Escorre amor ou a sua procura desenfreada em olhos desatentos, que tudo veem menos o que lhe procuram.
 
Tão encantadora a forma como José Luís Peixoto trata a palavra escrita. Dança com ela, numa delicadeza que não me canso de frisar. Há nesta dança um misto de dor, de confronto com a mentira, a necessidade de crença, de um olhar que confirma e acima de tudo, a ânsia da esperança.
 
É precisamente essa esperança a música que José Luís Peixoto nos desafia a dançar neste «Em Teu Ventre». Afinal de contas, encerra tudo em si mesma e tem um nome no seu centro.
 
Mãe.
 
 
Ao som de: "Somewhere" | Endless Melancholy

O Luto de Elias Gro (João Tordo)

terça-feira, 8 de dezembro de 2015


Já tiveram a oportunidade de ouvir o som da pinha ao cair do pinheiro?
É um som seco. Há um estalar seco que larga a pinha e a atira, incerta, pelos ares até cair sem destino.
Também assim é o narrador desta belíssima história de João Tordo.
Ele larga tudo e atira-se a uma jornada sem destino pois o dele, esse, parece ter terminado na ausência daquilo que foi e não retorna jamais. Quando assim é, perde-se o sentido das obras construídas com precisão matemática. Há que derrubar em pleno a totalidade de uma felicidade já infecunda. Que se alimente, então, um sofrimento sôfrego por mais, inexplicável, mas certo de que deve perpetuar.
 
João Tordo obrigará o leitor (de um modo feliz, entenda-se) a retroceder para reler trechos que já passaram, tal é a intensidade, a profundidade e a verdade da sua escrita.
 
No ambiente solitário de uma ilha, esta é a história de um homem que procura fugir de si mesmo. Se existem vários tipos de dor, e porque existem, acredito que a maior seja aquela a impulsionada pela culpa, que escraviza, que perfura, que martela e relembra. O pão nosso de cada dia.
"No fundo, a dor é paz; um lugar intermédio onde finalmente entendemos que, por mais que se repitam os gestos hábeis de todos os dias, o que aconteceu nunca tornará, e todas as coisas - todas, sem excepção - se irão perder, uma de cada vez, devagarinho, sem que tenhamos tempo de as deter na ida ou de perguntar para onde vão." (p.84) 
Um livro de pesada tristeza, «O Luto de Elias Gro» aborda temas relacionados, essencialmente, com a perda e esta, entra na vida por tantas portas e de tantos feitios...
Na jornada que a personagem estabelece para si mesmo, de clausura, de auto sofrimento, fechando-se num farol que arrenda a um dos habitantes da ilha, o leitor presenciará a impossibilidade da solidão levada ao extremo, bem como as suas consequências. A deriva do corpo em detrimento do peso de chumbo de emoções, outrora leves, e que hoje são pés que carregam e diminuem quem já foi.
 
No reencontro com gentes, afinal tão iguais, no reflexo de histórias de faroleiros e escritores, que se cruzam e repetem, depois de tantos anos volvidos, este homem perceberá o seu lugar no mundo.
"Se aceitares que se faça a vontade d'Ele, e não a tua." (p.311)
É com Alma que se permite emocionar e é com Elias Gro, para todos O Padre, mas que na sua boca não passa de um mero carteiro, entregando a mensagem de Deus a todos os moradores da ilha, que aquele homem despedaçado de alma começará a dar sinais de vontade.
 
Uma vontade de nome Cecilia.
Com ela surge o ímpeto de encontrar, enfim, a medida certa do amor.
 
 
 
Foi em 2015 que tive o privilégio de descobrir a obra de João Tordo, sendo este o segundo livro que leio do autor. Não poderia estar mais rendida com um livro de enorme sensibilidade, de beleza ímpar e de reflexões essenciais àqueles que ainda se permitem sentir, numa era de corações empedernidos.
 
Mais do que recomendado!

Angry People. And Love.

domingo, 6 de dezembro de 2015



“Angry people are not always wise.”
   ― Jane Austen (Orgulho e Preconceito)  

John Steinbeck disse

quinta-feira, 3 de dezembro de 2015

Imagem retirada Etsy
 
E tudo o que este homem disse, disse bem. Tão bem.

Serpentina (Mário Zambujal)

domingo, 29 de novembro de 2015



Em fases menos abonadas de tempo, a frescura e o humor de Mário Zambujal são uma escolha imediata. Nunca desilude, e eu não me canso de o repetir.
Na procura da bela sem senão, esta é a história de Bruno Bracelim, homem pouco forte, muito dado a achaques, desde tenra idade. Mas independentemente disso, estamos perante homem vivaço, que gosta de boas histórias, pois delas vive, vivendo a igual surpresa de, num dia para o outro, se ver enredado dentro de uma, qual filme de aventura!
Entre mulheres sedutoras com pé pesado em estradas que se fazem velozes, sacos de dinheiro que se não deixam encontrar, pessoas que afinal de conhecidas nada tinham, pasme-se o leitor, o pobre do Bruno Bracelim verá a sua vida virada de um avesso difícil de engomar.
Mas a cobiça, essa, em homem que se diz tão direito, faz-se sentir nas horas melhores àqueles em que tal pensamento seria tão impróprio como campainha gritante em horas tardias.
Pois é. Bruno Bracelim também se entusiasma com supostas belas sem senão e o saco de dinheiro que ameaça a sua futilidade, aqui e ali. Volte a pasmar-se, caro leitor, pois a vida mostrar-lhe-á que nas buscas mais infundadas, se encontra tudo menos aquilo que se procura.
A tal beleza, estava ali, afinal. E, aqui entre nós, tudo indica que Bruno Bracelim nunca se vai cansar de para ela olhar. Já alguém assim, um dia, definiu essa tamanha, e tão simples, beleza.
 
Zambujal, fantástico como sempre.
Boas leituras!

O Tempo entre Costuras (Maria Dueñas)

quinta-feira, 26 de novembro de 2015



Esta é a história de Sira, uma modista que cai nas malhas de uma paixão assolapada e que, tal como qualquer outra, não olha a meios para esta não se lhe escapar. Cedo, porém, descobrirá os amargos de boca de quem ama fruto proibido, fugidio e azedo, que a abandona em terra desconhecida...

Estão assim criadas as condições para um romance cheio de emoção e muito glamour, sobre Sira Quiroga, que pensando ela ter a sua vida costurada à medida certa do esperado, vê tudo mudar quando se apaixona arrebatadoramente e larga tudo, até o mundo da costura, que sempre a definira.
«O Tempo entre Costuras» é um romance sobre a Espanha, a Guerra Civil e a II Guerra Mundial. E muito mais. Com este contexto histórico estamos, de facto, perante um livro rico nesse sentido e com pano para mangas no que a enredo diz respeito.
De uma página a outra, o leitor irá deparar-se com cenas de verdadeiro suspense, que o farão correr apressado na pressa de chegar ao fim dessa jornada atribulada de Sira. E esta não é mais que uma mulher perdida num país que não conhece, que lá se perde por um amor que não ficou, reerguendo-se depois de um sofrimento que considerou ser incapaz de superar.
Entre essas desventuras, muitas outras personagens cruzarão o seu caminho, entre linhas e costuras, que de calmo, pouco terá. Sira, no entanto, revelará uma força de caráter de quem sabe permanecer fiel a si mesma.
 
Confesso que este livro não me fascinou como julguei ser possível. Apesar de se tratar de uma história bonita, com uma escrita fluida, muito acessível, que se lê de uma assentada, ... não sei.
É uma história bonita sim, mas não sei...
Faltou qualquer coisa e eu não sei dizer o quê.
 
São coisas!
 
Boas leituras.

Adventure Of A Lifetime

quarta-feira, 25 de novembro de 2015


Now I feel my heart beating
I feel my heart underneath my skin
And I feel my heart beating
Oh you make me feel
Like I'm alive again
Alive again

Oh you make me feel
Like I'm alive again
 
 
Recomendações para um dia feliz: começar com a música certa!
Muitas leituras. E bons pensamentos.

Sejam rudes!

segunda-feira, 16 de novembro de 2015

Dean Winchester | Supernatural
 
"A dança é uma tentativa muito rude de penetrar no ritmo da vida."
(Bernard Shaw)
 
Boa semana! 

Os encontros d' agora

sexta-feira, 13 de novembro de 2015

 
Acabou-se o mistério.
As coisas más da tecnologia. A rir-me insanamente!!!

TAG - Hábitos de Leitura

terça-feira, 10 de novembro de 2015

Imagem retirada CORBIS

A convite da querida Kel, do blogue A Rapariga dos Livros, estou aqui para responder à Tag sobre «Hábitos de Leitura». Vamos lá então.
 
 
1 – Tens um lugar específico na casa para ler?
Não. Tenho vários cantos, desde o sofá, ao escritório ou perto da lareira, todos eles muito apetecíveis.



2 – Marcador ou Pedaço de Papel?
Marcadores, por norma. E todos maricas.



3 – Consegues parar simplesmente de ler ou tem de ser sempre no final de um capítulo ou a um certo número de páginas?
Gosto de parar em capítulos por uma questão de organização do pensamento e da história, mas se eventualmente estiver a sair de um autocarro, por exemplo, ou no fim da hora do almoço, o fim do capítulo tem de esperar.

 
4 – Comes ou bebes enquanto lês?
Muito raro. Um café...É que a imagem da chávena a estardalhar-se toda pelo livro, não me seduz. (Sou muito desastrada, deixo cair tudo o que me vem parar à mão... e o seguro morreu de velho).

 

5 – Música ou TV enquanto lês?
Nada disso. Silêncio. Sempre.

 

6 – Um livro de cada vez ou vários ao mesmo tempo?
Tenho tendência a ler um de cada vez, mas ultimamente tenho sempre um livro no quarto que leio antes de dormir. E Kel, adivinha qual é? O HARRY POTTER!

 

7 – Ler em casa ou em qualquer lugar?
Esta pergunta faz-se? Um leitor crónico que se preze lê até de cabeça para baixo e seja lá onde for!

 

8 – Ler em voz alta ou silenciosamente?
Silêncio.

 

9 – Lês para a frente e/ou pulas páginas?
Por acaso leio para a frente sim ... uma página de cada vez! (não resisti! risos)

 

10 – Quebrar a lombada ou mantê-la como nova?
Gosto de manter os livros em bom estado, no entanto, as marcas do tempo, bem como a prova de que foi lido também me são muito estimadas. Significa que houve e há vida por ali.

 

11 – Escreves ou fazes anotações nos livros?
Anotações diretas no livro não, mas tenho sempre um caderno ao lado para anotar reflexões que me parecem pertinentes ao entendimento da história.

 

12 – Quem tagueias?
Vou desafiar o Carlos Faria, do GEOCRUSOE, o VOYAGE da Su e a Gabi com o seu Dona-Redonda!
 
Boas leituras!
 

Pigtopia (Kitty Fitzgerald)

domingo, 8 de novembro de 2015


"A Mamã diz que o papá tinha corpo e alma de porco, que era um porco enorme e porcalhão que a emporcalhou à força, e que depois se afastou a trote pelos campos fora quando compreendeu o que se estava a tramar." (p.9)
 
Assim começa «Pigtopia» de Kitty Fitzgerald. Um livro sensível e peculiar, sobre a amizade improvável de um homem de 30 anos, com macrocefalia, e uma adolescente reservada.
Macrocefalia é o termo que carateriza a pessoa com uma cabeça anormalmente grande.
 
Jack Plum vive isolado do mundo, com uma mãe hostil e magoada pelas agruras de uma vida que não desejou e um marido que supostamente desapareceu.
Se para a mãe, esse homem é indigno e motivo de todos os seus males, tendo-lhe dado Jack como filho, feio e defeituoso, para aquele, o seu pai era a lufada de ar fresco e a única fonte de amor que tinha. Foi o pai que igualmente o ensinou a amar os porcos, a criá-los e a aprender os mistérios curiosos desses animais. Uma ligação eterna a um pai que desaparecera sem deixar rasto.
 
Holly Lock é a adolescente reservada. Não se vê refletida nos mesmos desejos das amigas, nem tão pouco nas medidas do corpo que teimam em não acompanhar ritmos previstos.
A Holly prefere a botânica, procurando flores e plantas nos bosques, às escondidas, aumentando esse amor com o poder que só os segredos dão.
 
Também num segredo, a vida de Jack centra-se no amor e criação dos porcos tentando, nesse hábito metódico e quase religioso, estreitar a ausência dos afetos que tanto estima. A ausência de um pai que sempre o amou. É com os porcos que recebe o que tanto precisa e desenvolve capacidades que ninguém acreditaria possíveis.
 
É com essa capacidade que o seu coração certeiro escolhe Holly para ser a sua amiga. Ele sabe que ela é diferente de todos os outros, entenderá e, mais do que isso, se encantará com o Palácio dos porcos. Nasce assim uma amizade memorável.
 
O livro de Kitty Fitzgerald foca de uma maneira muito especial o conceito de amizade entre uma pessoa com uma limitação física que, contudo, é detentora de uma inteligência emocional arrepiante, capaz de o orientar a si e aqueles que decidiu amar.
 
Não gostei do fim, confesso. No entanto, «Pigtomia» é um livro que se destaca precisamente pelo poder da amizade, pela sua capacidade transformadora e pelos sonhos que são partilhados, numa troca certa que permite saber, garantidamente, que nessa partilha, jamais morrerão.
 
Boas leituras.

O Exorcista (William Peter Blatty)

quarta-feira, 4 de novembro de 2015


Se eventualmente vos passar pela cabeça que este livro é previsível, pelo título, tirem desde já essa ideia da cabeça. Este livro é absolutamente qualquer coisa de genial pela forma como é narrado, pela onda de mistério e pela dúvida que se semeia atrás da orelha, de início ao fim.
 
"Que a Vossa poderosa mão expulse este demónio cruel de Regan Teresa MacNeil (...)"

Previsível poderia então parecer por se centrar, apenas e só, num exorcismo. Mas o autor quis ir mais além do que isto. E eis que foi e muito bem.
Tudo começa no seio de uma família destruturada. Uma mãe recentemente divorciada, atriz reconhecida e mãe da pequena Regan, que devido à sua vida atribulada não lhe dedica o tempo que desejaria.
De um momento para o outro, a casa começa a dar sinais de uma vida estranha e inesperada: há sons que não se entendem, móveis que aparentemente mudam de lugar autonomamente, bem como a cama de Regan que se agita antes da pequena adormecer, provocando-lhe um medo intenso que a atira para os braços da mãe todas as noites.
 
Se inicialmente todas as situações aparentemente anormais são vistas e vividas com ceticismo cauteloso, gradualmente, as perceções de todos os envolvidos naquela casa começam a aguçar-se, na mesma medida de um medo que cresce e de um respeito calado pelo oculto.
 
É que Regan já não é Regan. A doce e querida menina deixou a doçura na gaveta e é agora a revelação máxima de rebeldia que não se lhe conhecia. Sharon, a sua tutora, desconhece-lhe os hábitos, bem como os empregados da casa, Willie e Karl, que mudos, olham e não compreendem.
 
É numa das festas organizadas pela mãe que esta decide, quando Regan desce as escadas ofendendo, sem razão aparente, todos os convidados, que está na hora de fazer alguma coisa. É chegado o momento de uma procura desenfreada de médicos que têm, à força toda, de justificar comportamentos bizarros de uma criança de 12 anos, com a boca repleta de obscenidades e o corpo cheio de gestos de uma idade que não condiz...
 
Este livro de William Peter Blatty, escrito em 1971, é soberbo precisamente pelo modo como está narrado, sem cair no ridículo que se poderia esperar de um livro de horror. Vai aos mais pequenos pormenores, deixando o leitor convicto num momento de que a Regan é uma simples menina solitária que deseja chamar a atenção de uma mãe pouco presente para, logo de seguida, se condoer e se zangar com o desgraçado do demónio que a possui.
 
A busca desenfreada de médicos e as respostas sempre inconclusivas abrem assim caminho aos padres que, por sua vez, abririam também um outro caminho: o do esperado exorcismo.
 
É este o ponto central de todo o livro. O verdadeiro significado da possessão, do exorcismo e mais do que tudo isso, o poder da auto-sugestão, tantas vezes invocado pelo autor.
O demónio está mesmo lá?
O que aconteceu, realmente, ao Padre Merrin e ao Padre Karras?
 
Deixo-vos assim. No mar de incerteza que este livro provoca. Até ao fim não vão descobrir se realmente houve possessão ou não.
Haveria, realmente, um demónio que se apoderou do pequeno corpo de Regan?
 
Têm de ler.
Acreditem quando vos digo que a dúvida compensa cada página de um clássico memorável e, sem qualquer dúvida, muito mais assustador que a versão cinematográfica.
Boas leituras!

Tormenta (Julie Cross)

domingo, 1 de novembro de 2015


Se o desejo do leitor é entrar numa aventura sem limites onde passado, presente e futuro se cruzam sem limites concretos, com saltos no tempo, com a capacidade de ir e voltar, mudar perspetivas numa linha ténue do que se passou, e poderá vir a passar, este livro poderá ser uma escolha acertada.
Num ritmo acelerado, o leitor acompanhará a vida extenuante de Jackson, rapaz diferente de todos os outros pela sua capacidade anti natura que o permite saltar horas ou dias para lá do presente, vivendo verdadeiras aventuras. 
 
 
 
Se inicialmente esta capacidade apenas o inquietava, e simultaneamente, fascinava o jovem Jackson, com o passar do tempo, começa por ganhar a real noção da sua condição, bem como aos perigos a que pode estar sujeito.
Perder Holly é um desses perigos a que não quer sujeitar-se. Namorada perfeita, amor que vai crescendo na medida da sua própria idade, Jackson tem a certeza que encontrou a pessoa certa e que, acima de qualquer coisa, tem de a defender das adversidades que se escondem num passado e futuro possíveis de visitar e, sobretudo, revolver e mover peças.
Quando Holly é alvejada num mar de questões que nada respondem, é quando Jackson parte, sem qualquer receio, em busca de respostas numa tentativa cerrada de mover essas mesmas peças, saltando sem parar entre passado, presente e futuro. Mas ninguém disse que seria fácil...
 
Com uma escrita acessível, Julie Cross envolve o leitor e fá-lo saltar para a aventura de um jovem que terá de confrontar uma série de questões para, no fim, lidar com as consequências das suas próprias escolhas e, acima de tudo, saber lidar com elas.
No presente. E no futuro.
 
Um agradecimento especial à Quinta Essência pela oferta.
Boas leituras!

 
 

TOM SAWYER & HUCKLEBERRY FINN

quarta-feira, 28 de outubro de 2015

O dia 28 de Outubro é assinalado por vários motivos. Um deles é o reconhecimento do desenho animado.
A minha escolha não poderia recair em mais nenhum outro que não o Tom Sawyer, que não só marcou a minha infância, como o considero genial em todos os sentidos.
Existem pessoas limitadas que o apontam como má influência às crianças por se tratar de um miúdo que não gosta da escola. E não só.
Na minha opinião, sublinho que as pessoas que, eventualmente, apontam defeitos a desenhos animados como Tom Sawyer,  ou são limitadas, ou não viram, ou simplesmente não têm noção da atrocidade de certos desenhos animados que andam por aí atualmente.
 
O Tom não gosta da escola. Verdade. Assim como tantas das nossas crianças.
Ele faz travessuras. Verdade. Assim como tantas das nossas crianças.
Ele mente. Verdade. Assim como tantas das nossas crianças.
Mas...
Ele tem amigos e prioriza cada uma das suas amizades.
Ele apaixona-se por Becky e trata-a como uma princesa.
Ele aprende, por vezes pelo caminho mais difícil, que depois de errar, há que corrigir esse mesmo erro e avançar por um novo trilho.
Mesmo que isso implique errar todos os dias.
 
Se isto não são bons valores, não me perguntem por mais, porque eu também não sei.
 

 
 
Deixo-vos uns minutos das muitas hilariantes aventuras de Tom e Huck, inesquecíveis personagens de Mark Twain.

A Montanha Mágica (Thomas Mann)

sábado, 24 de outubro de 2015




Contém SPOILERS


Ainda eu não havia terminado a leitura deste livro e já tinha decidido, perentoriamente, que estava perante uma das obras da minha vida. Sem exagerar uma página.
«A Montanha Mágica» é dos melhores livros que alguma vez tive oportunidade de ler, capaz de me fazer sentir diferente quando o terminei.
Irremediavelmente acabei perdida de amores por Thomas Mann. Somente um homem dotado de uma genialidade incomum para provocar, com um livro, transformações, reflexões, poderes tão magnânimos no comum leitor.
 

Tudo começa na subida à montanha. Tudo começa com o ternurento e inesquecível Hans Castorp: homem de ideais elevados e coração cheio, que um dia decide visitar o seu primo ao Sanatório de Berghof, Joachim, onde se encontra internado.
Hans Castorp viu morrer os seus pais muito novo, tendo criado uma ligação muito forte ao seu avô, este, de caráter forte e determinado. Por outro lado, temos o neto mais sensível e anémico, com os olhos postos nos gestos do avô, que gostaria de imitar um dia.
Outra das características primordiais de Hans é a sua boa disposição e uma visão quase distorcida das coisas boas, e pequenas, da vida. Enternecedoras visões, numa fase em que entretanto termina o curso de engenharia na escola industrial.
Mas feitas as contas, e curso terminado, nem por isso temos um Hans Castorp resolvido. É que a indecisão afigura-se como mais um dos seus traços de temperamento, andando perdido entre vocações, sem se conseguir encontrar.
É precisamente nessa neblina de indecisão, quando na verdade tinha já em sua posse a oportunidade de se iniciar no mercado de trabalho, que Hans Castorp decide visitar, durante três semanas, o seu primo Joachim. Uma visita que seria boa para ambos: Joachim pela companhia, Hans para clarear dúbias ideias sobre o seu futuro profissional.
 
 
É que doente, ele não está. Jura a pés juntos. Mas diz Behrens, o médico, (mais à frente conhecido por Radamanto) que jamais vira alguém saudável na vida, e isso deixará a Hans Castorp  marcas profundas. Verdade é que a doença se instala e Hans Castorp fica na montanha. Quanto ao tempo concreto, esse, dilui-se na montanha. É indefinido.
Ficar na montanha não se afigurou nada fácil a Hans, pelo menos, no princípio. A falta dos bons costumes, da etiqueta e de tantas outras questões consideradas essenciais ao bom viver deste jovem peculiar, dificultavam os dias que pareciam congelar, perdidos, nos ponteiros de um relógio cujas dimensões são seriam, também, iguais às da planície. Lá em baixo.
E eis que surge, depois, uma das situações mais intoleráveis. Portas a bater! Uma das maiores afrontas ao sensível Hans que, curioso, começou desde logo a conspirar na tentativa de conhecer tal infrator.
É assim que conhece Clawdia Chauchat. Mulherzinha sem maneiras mas que, repentinamente, sem adivinha prévia, conquista sem pedir o vulnerável coração de Hans Castorp.
Há quem diga que o amor começa como uma gripe, uma irritação que enerva. É provável.

 

Se inicialmente o amor a Clawdia era um pudor de meter dó, o avançar de tal sentimento passou a ser vivido em hasta pública, com todos os doentes a congeminar teorias, a tecer risos e comentários às atitudes menos contidas do nosso Hans Castorp. O amor tem destas coisas, é vaidoso e imperioso.
Surge assim, também, uma vontade legítima de ficar. Um sentido de pertença a um lugar que agora parece fazer todo o sentido. O ócio, a cura à base de descanso e dos seus obrigatórios cigarros, assumiram a forma correta, fundamental, de se viver: "Como poderia um jovem de vinte e poucos anos desejar voltar à ordem e disciplina, à mediania e ao utilitarismo, que era o que a planície tinha para lhe oferecer?" p.828
Nessa lógica destemida, surge também Settembrini. Voz cortante da consciência, que o empurra para a planície, para casa, o quanto antes.
Como se quem fica, já não voltasse mais.
Será?

 
Nesta fase, antes de Settembrini abandonar a montanha, Hans Castorp alimentou sofregamente o seu desejo pelo conhecimento. Paralelamente ao amor, quase platónico, por Clawdia.
Desde o seu interesse repentino por fisiologia e saúde em geral, ao interesse pela botânica, astrologia, o nosso Hans dedicou horas intensas ao estudo, alimentando a ânsia do seu espírito, procurando um contínuo desenvolvimento pessoal.
Esse mesmo desenvolvimento foi vivido ao lado de Settembrini, com as longas deambulações de ambos, nos longos debates, desejados por Hans Castorp e a constante vontade de aprender e refletir mais e mais sobre o mundo e as coisas.
A juntar a esses debates, que nem sempre eram pacíficos, surge Naphta, residente na casa onde vive agora Settembrini. O mais interessante neste contexto é a rivalidade intricada destes dois homens, com ideologias opostas, um libertino (Settembrini) e um controlador (Naphta) em constante picardia intelectual, com um Hans Castorp que tenta mediar, aprender e absorver cada palavra. É nesta fase que o leitor terá a oportunidade de ver discorrer o tema pertinente entre corpo e espírito, a importância da doença, da saúde e a forma de encarar a enfermidade. Estaremos nós destinados à doença como forma de justificar uma certa, digamos, vontade de, tão simplesmente, desistir gloriosamente?
Hans também começa a aprender cada vez mais sobre o que se passa na Montanha... e coisas curiosas parecem acontecer todos os dias. Desde utentes especiais a atitudes menos esperadas, Joachim vai informando o primo sobre os bons costumes do sanatório. Mas é a morte e a forma de a encarar, que deixam Hans Castorp perplexo. Evitar, não falar e passar ao lado, invocando antes a doença como legítima ao corpo, são algumas das premissas reinantes na montanha...
E Hans Castorp vai aprendendo.


A relação entre os primos, por vezes, é tensa. O motivo dessa tensão centra-se na vontade imensa que Joachim tem em sair do Sanatório e recomeçar a sua vida de tenente. Hans Castorp não consegue compreender a quase obsessão do primo quando tão bem se está na montanha!
Eis que um dia, porém, Joachim, contra tudo e contra todos, cansado das eternas contrariedades médicas, decide partir mesmo sem autorização médica. E é quando a possibilidade de regressa também é contemplada para Hans, que se aflige, que se amedronta.
Clawdia estava ausente naquele momento. Decidira viajar.
O amor profundo, comparável ao amor que sentira um dia na infância e até à data nunca possível de comparação, não podia ser desprezado daquela maneira, pelo que Hans, por amor, decide manter-se no sanatório, cujas oscilações de febre permanecem, tendo, inclusive naquele curto momento, aumentado consideravelmente...
Joachim vai. Volta. E jamais regressará.
 
 
Ele fica. O primo vai. Mas Clawdia demora a regressar, enquanto o coração do jovem parece, por outro lado, mirrar e duvidar.
Os interesses de Castorp são gigantes como a montanha, aprender e experienciar parecem não ter limites na sua mente, tanto que um dia, ao contemplar a neve fofa que adorna toda a montanha, decide esquiar. Uma nova vontade que põe em prática, desde logo.
Settembrini, sem espaço para surpresa, pune o comportamento de Castorp, sem no entanto, obter qualquer sucesso capaz de o deter da proeza. E lá vai. Pela neve.
Acreditem quando vos digo que este é uma das melhores passagens do livro de Thomas Mann. Absolutamente genial e a questão do tempo, tão invocada, é verdadeiramente sentida por vários motivos: entre eles, o leitor não se aperceberá daquele enquanto não terminar e perceber se Hans Castorp sobrevive à tempestade de neve; ao lado de Castorp vamos igualmente sendo arrastados por pensamentos, sonhos e pesadelos que parecem uma eternidade, num paralelo de, aproximadamente, duas meras horas...
(Soberbo!)
 
Como já tive a oportunidade de referir, estamos perante um dos melhores livros de sempre. Iniciado antes da Primeira Guerra Mundial, o período é fundamental para contextualizar todo um enredo excecional, uma vez que a montanha mágica é uma metáfora que retrata a importância do tempo, da doença, da morte, do medo e enfatiza, igualmente, a relevância do amor como impulsionador de mudança.
Esta obra é, também, toda ela, repleta de simbolismos que podem escapar ao leitor mais desatento.
Se os utentes do Sanatório sentem a montanha como a resolução dos problemas (e nós próprios sentimos na montanha uma paz desejada, pelo menos, inicialmente), mais não é que o Inferno transfigurado onde a morte é esperada, lenta mas impiedosa. Sem capacidade de agir contra a mesma.
Também Hans Castorp, num dado momento, começa por sentir o peso do tempo, questionando-se sobre o seu papel e todo o ócio que reina numa montanha liderada por Radamante e Minos (Beherns e Krokowski), que na mitologia grega representam o Juíz dos Mortos e o Juíz do Inferno, respetivamente.
Como um regimento bem comandado, as pessoas são orientadas para a morte lenta e ingénua e para estes juízes, ávidos da impotência e da doença, quantos mais, melhor.
Mas o ócio esse, tem das suas. Os doentes acabam por sentir a necessidade de se reinventarem no meio de um nada de emoções. Há uma necessidade de liberdade, sobretudo no nosso Castorp, e é numa dessas passagens que conhecemos Elly e os seus poderes sobrenaturais.
Apesar da resistência inicial, Hans Castorp participa numa dessas sessões espíritas que agita o sanatório, para nunca mais repetir, pois vê Joachim. Que lhe aparece à frente, agitando-lhe violentamente não só o coração, como a mente que vai já num turbilhão de reflexões incapazes de reter.

Quando Hans Castorp conhece Peeperkorn, o novo amante de Clawdia, entretanto de volta ao sanatório, desejando odiá-lo mas sem o conseguir, pois tratava-se da verdadeira personalidade dentro de uma só pessoa, sentiu, após a morte daquele, mais a dor da morte de Joachim, uma imensidão de linhas soltas e de um cheiro a queimado que se avizinhava da planície. E que apelava. Que chamava por ele.

É este o ponto derradeiro, o fim de uma grande obra. Que termina em aberto, deixando o leitor naquilo que lhe parece, naquilo que sentirá ser o mais adequado, o mais correto e o que mais feliz fará o ternurento Hans Castorp.
A seu tempo.
Não é esta a maior prova de liberdade?

"Será que deste festim universal da morte, deste ardor perverso e febril, que incendeia o céu chuvoso e crepuscular, poderá também um dia nascer o amor?" (p.816)

 
Por último, não posso esquecer e deixar de anotar a narrativa absolutamente genial, incrível e jamais ultrapassável. O narrador inclui o leitor de uma forma estrondosa, incitando uma curiosidade quase mórbida, bem como o deslumbramento por uma escrita cuidada e exímia.
 
Obviamente já sabia que me iria alongar. Se você que ainda aí está leu toda a minha análise e ainda não leu o livro, acredite que vale a pena começar desde já.
É que não se trata de uma obrigatoriedade.
Trata-se, antes, de um privilégio.

Boas leituras!
 

Finalmente!

quarta-feira, 21 de outubro de 2015

Estatuto bom da velhice

terça-feira, 20 de outubro de 2015

 
Quem disse que tudo é mau com a passagem do tempo?
A rebeldia inerente, a indiferença e sobretudo o conforto em vestir a própria pele, ultrapassa qualquer inconveniente associado a um enrugar de pele aqui ou acolá. E quem diz enrugar de pele, diz outra coisa qualquer!
Um brinde à sabedoria.

Ainda sobre «As Amantes»...

sábado, 17 de outubro de 2015

As Amantes (Elfriede Jelinek)

domingo, 11 de outubro de 2015


O livro «As Amantes» de Elfriede Jelinek é absolutamente imperdível. Porquê?
Imperdível pela escrita caricata, cómica e mordaz de Jelinek.
Imperdível pela crítica audaz, feroz e cortante à posição das mulheres numa sociedade de machos.
Imperdível, sobretudo, pela reflexão a que obriga todas as mulheres que decidem mudar o rumo das suas vidas em prol de um homem que nada promete, a não ser, a urgência que traz no meio das pernas.
 
"se alguém tem um destino, então esse destino é um homem. se alguém apanha com um destino em cima, então esse destino é uma mulher." (p.7)

Imperdível pela forma como a autora aborda o tema do amor, sem réstia dele.
 
Nos testemunhos de Brigitte e Paula, o leitor acompanhará duas trajetórias diferentes com objetivos comuns: encontrar um porto seguro. Mais do que amor, mais do que profundas efabulações e sonhos cor-de-rosa, estas mulheres querem um sonho revestido com quatro paredes. E filhinhos. Muitos filhinhos. Um homem que lhe assegure proteção. A proteção que só um homem pode dar. Pois mão pesada têm eles. Para, e quando, for preciso.
 
É num registo verdadeiramente caricato que acompanhamos os rumos distintos, num desejo no entanto similar, destas mulheres iguais a tantas outras. Tenho esperança no mundo e desejo que não sejam assim tantas...
Numa espécie de hino à estupidez das prioridades enaltecidas  pela posição deteriorada da mulher, Elfriede Jelinek aponta um dedo firme e constante às temáticas do amor e do matrimónio.
 
Tão dúbias.
Tão desniveladas.
Tão magistralmente invocadas.
 
 
Hilariante.
Já disse imperdível?
 

Boas leituras! 

Projecto ADAMASTOR

sábado, 10 de outubro de 2015

 
 
 
Após contacto do Ricardo Lourenço, um dos responsáveis pelo Projecto Adamastor, uma iniciativa dedicada à conversão de clássicos da literatura portuguesa e brasileira para formato digital, surge agora uma nova iniciativa levada a cabo por aquele projecto: «Os Melhores Romances Escritos em Língua Portuguesa».
O objetivo desta iniciativa centra-se na criação de uma lista daqueles que serão considerados os melhores livros escritos em língua portuguesa, não só como forma de potenciar e promover a sua leitura, como também disseminar importantes discussões em torno da literatura.
 
Para colaborarem têm apenas de preencher o formulário que segue abaixo, indicando dez obras escritas por autores lusófonos que, na vossa opinião, não poderão faltar na lista que verá a luz do dia em Janeiro de 2016.
 
Eu já dei o meu contributo preenchendo o formulário, que poderão encontrar, aqui.
Participem!
 
Boas leituras!

Na companhia de Hans Castorp

terça-feira, 6 de outubro de 2015

 

Teoria Geral da Estupidez

domingo, 4 de outubro de 2015

Rodrigo Guedes de Carvalho é um dos jornalistas que mais admiro. Enquanto escritor tenho apenas um dos seus livros, «Canário», com leitura  adiada na estante. 
O presente artigo sobre os nossos jovens, cada vez mais estúpidos e imbecis, é absolutamente imperdível e, por isso mesmo, o partilho convosco.
 
 
"Numa altura em que tanto se fala da necessidade de melhorar o sistema educativo português, que sofre de tantas insuficiências, gostaria de dar o meu contributo para a riqueza curricular. Que tal pensar em leccionar, desde o primeiro ciclo, uma teoria geral da estupidez? Pelo que vejo, os nossos alunos têm necessidade urgente da matéria. Reparo que mesmo aqueles que passam anos e anos nas faculdades, e sobretudo esses, não dominam minimamente o conceito. Repare: um dos pilares mais básicos da aprendizagem humana é perceber que se pode (e deve) não só aprender a matéria positiva que nos dão, mas aprender com o erro. Dito de outra forma, e para que alguns dos nossos estudantes mais incapazes entendam: quando pomos a mão no fogo e nos queimamos, aprendemos que não devemos voltar a pôr lá a mão. Simples, não é? Dir-se-ia que qualquer criança o entende. Mas parece que não. Quando ainda hoje nos arrepiamos ao recordar o que ficou conhecido como Tragédia do Meco, eis que um grupelho das praxes pega nuns quantos caloiros e os leva...para onde? Para a praia, claro. Mas a coisa não fica por aqui. Enterra-se o caloiro na areia e obriga-se o moço ou moça a beber. Perdão, não simplesmente a beber. A beber, e beber, e beber, até à inconsciência. A jovem, repito, está enterrada, quase na totalidade, apenas a cabeça de fora, ou seja, incapaz de reagir. Ela e outros são insultados, de besta para baixo, pelos praxantes, esses duxes do não sei quê. Com toda a gente fora de si, toda a gente bêbeda, enterrada na areia perto do mar, eis um desastre à espera de acontecer. Pois, mas ninguém vai prever que aconteça, não é? Não, não é não. Repito: como se não bastasse o senso comum de uma inteligência mediana de perceber que a situação estúpida, violenta e humilhante, é já em si potencialmente perigosa, ainda há, repito e repito, a memória fresca do Meco. Aquela tragédia onde os praxantes, de norte a sul, se bem se lembram, nunca assumiram verdadeiramente culpas, nunca admitiram que se culpasse a praxe em si, escondendo-se, de forma indigna, cobarde e nojenta, atrás da teoria do acidente que pode acontecer a qualquer um.
Já me tinha parecido aberrante, na altura, que pouco depois da tragédia, tenha havido gozo com a tragédia, com uns tantos atrasados mentais a fazerem uma encenação teatral da tragédia que tirou a vida a jovens como eles. E agora isto: nos primeiros dias do novo ano lectivo que anda a fazer a estudantalha? A estudar, a ir às aulas, inteirar-se, interessar-se pelas matérias, fazer por merecer os cursinhos que os papás e o País andam a pagar? Qual quê, querem é o "rituais de integração", essa expressão absurda com que pretendem atirar-nos areia para os olhos. Expressão por expressão, respondo que são atrasados mentais, literalmente. Se não souberem o que significa, procurem as duas palavras no dicionário."
 
Nota: por vontade do autor, este texto não segue as regras do novo acordo ortográfico.
Artigo presente na Revista tvmais
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