Montedor (J. Rentes de Carvalho)

domingo, 10 de maio de 2015

 
Este livro de J. Rentes de Carvalho é um poema em tamanho XXL.
 
Nunca tinha visto. Nunca tinha lido. Um poema grande, sôfrego, desesperante. Um paradoxo de poema, pois é escrito em prosa. Mas e a beleza da escrita, a simplicidade que a torna complexa, os tons cinzas que perduram? Se isto não é um poema grande, que crava a ferro quente a dor do triste protagonista, não sei que mais poderá ser.
É um poema grande. Um poema que lamenta as sortes de quem não nasceu predestinado a dias de felicidade. Ou a, simplesmente, dias certos de ser. Ser alguém, com coragem:
 
"Sem coragem de decidir. É bonito ficar a gente a moer ilusões, outra coisa é arriscar, dar o passo em frente." (p.36)
 
Num labirinto que nem o próprio entendeu, a vida foi-se estendendo e alargando. Foi correndo numa direção ambígua. Certo apenas o sonho de ser.
É desesperante perceber o quanto os sonhos nos podem trair. São falsos. Prometem mundos e fundos. Com eles, andamos de peito inchado por esse mundo fora, tão certos de um futuro brindado pela sorte de quem tudo consegue. Sonhos, quem os conheça que os compre!
E ele comprou. Nas paredes confortáveis de um quarto. Fechado e seguro pelos jornais que lhe mostravam a Austrália e, depois, Paris!
 
"Mas para que fui feito, então? Para nada. Para ser bola, joguete, número soldado de infantaria. Para querer e não poder, ter sonhos e ver os outros vivê-los." (p.56)
 
Os sonhos traem. Ele pensou que sim. Mas os sonhos, esqueceram-se de acrescentar à história, são fumaça que passa.
Ou nos lançamos num fogo posto pela força desse querer, ou jamais passaremos desse fumo pequeno. Pequena ameaça.
 
Tenho dificuldade em caracterizar a escrita de J. Rentes de Carvalho, de tão bela que é. Por isso, fico-me por aqui. Uma escrita bela.
Sendo um notório sublinhado a negrito da sociedade portuguesa, dos seus impasses, e do seu sofrimento, este livro é o abismo onde qualquer um se pode encontrar, volta e meia.
 
Muito recomendado!
 
Boas leituras :)

2 comentários:

Carlos Faria disse...

Já li em ficção "O Rebate" uma obra interessante, escrito em 1971 onde retrata o meio rural de então dominado pelo regime, mas contando a estória de uma forma menos opressiva que as do neorrealismo.
Li em não ficção: "Com os holandeses" escrito penso que nos anos 80 e fala da sua visão do que são os Países Baixos e os holandeses, bastante crítico e irónico, por vezes chocante e estou a ler do mesmo género mas sobre Portugal: "Portugal a flor e a foice" do mesmo género, mas onde praticamente não há um sinal de esperança sobre este país, apesar de escrito no pós 25 de abril. a escrita gosto, mas prefiro-o na ficção onde é muito mais delirante.

Denise disse...

Olá Carlos,

Do autor, este foi o meu primeiro livro. Tenho por casa «Ernestina» que dizem ser muito autobiográfico, sobre a sua terra natal e o nome do título, é o nome da sua mãe. Tenho bastante curiosidade sobre esse em particular. Tenho também o último, recentemente lançado «Pó, Cinza e Recordações», uma espécie de diário escrito entre 1999 e 2000.
Posso cingir-me à sua escrita na ficção e «delirante», como dizes, aplica-se muito bem. Gostei imenso.

Boas leituras!

CopyRight © | Theme Designed By Hello Manhattan