As Coisas que os Homens me Explicam (Rebecca Solnit)

domingo, 28 de agosto de 2016


O livro de Rebecca Solnit é um agitar de consciências bem premente face à desigualdade de género. O quanto o papel da mulher na sociedade permanece num limbo sombrio cuja definição se encontra ainda a uma grande distância, apesar dos esforços reunidos para se encurtar.
É precisamente sobre os esforços nesse caminho que a autora se debruça.
 
Este livro de ensaios surgiu da situação caricata que foi encarar um homem, presunçoso, ao falar-lhe da história de um livro, - que, na verdade, ainda não havia lido - falar-lhe maravilhas sobre ele, interromper-lhe as suas tentativas vãs de entrar na conversa, assumindo o aparente controlo da situação para, mais tarde, desejar cavar um buraco (terá mesmo desejado?) ao descobrir que a autora do livro era a própria Rebecca Solnit.
 
"Gosto de episódios deste género, em que forças que geralmente são matreiras e furtivas saem do mato onde se escondem e se tornam tão notórias como, sei lá, uma anaconda que comeu uma vaca ou como uma bosta de elefante no tapete." p.13

Com uma escrita muito acessível e bem humorada, a autora vai-nos alertando para aquela que é a grande problemática da desigualdade de género: muitos poderão pensar o quanto já foi feito (e muito sim) e que, atualmente, a mulher detém já uma posição social muito mais segura e assumida, no entanto, os km a percorrer são muitos ainda, com obstáculos, por vezes, inimagináveis.
 
A autora tem um apontar de dedo sublime, que o faz não só pela escrita despretensiosa mas também por uma pesquisa cuidada e muito interessante.
 
Casos alarmantes de violência doméstica, violações constantes, a falta de liberdade de expressão porque se é mulher, pessoalmente ou através das redes sociais, são algumas das situações exploradas pela autora, sob o ponto de vista agressivo por parte de uma mancha masculina. Digo mancha porque a autora, e bem, sublinha a sua ausência de intenção em generalizar condutas face ao género. Um aspeto que, pessoalmente, me agrada imenso pois as generalizações nunca nos levarão a lado nenhum. No entanto, enfatiza a prevalência de um comportamento muito mais prepotente, monopolizador e agressivo face aos homens. Os estudos comprovam, as estatísticas também.
 
"De certeza que a mentalidade de quem pensa que precisa de ganhar, de dominar, de castigar, de ser rei e senhor deve ser horrível e tudo menos livre, e desistir desse objetivo inalcançável seria libertador." p.42

Considero este pequeno livro de ensaios obrigatório. E não apenas por ser mulher e sentir-me enaltecida por muitos trechos aqui explanados.
Sinto que é obrigatória a sua leitura por mulheres e homens. Porque a sua leitura permite refletir sobre uns conjunto de aspectos tão enraizados por diversas culturas que, por vezes, novas abordagens e novos pensamentos nos parecem descabidos.
Quando a autora acede ao exemplo da «Síndrome de Cassandra» e à história do «Menino e o Lobo» são gritantes as divisões de género e a credibilidade dada a cada um: Cassandra era a menina que dizia a verdade mas em quem ninguém acreditava e o menino foi quem contou uma mentira em que toda a gente acreditou. Esse aspeto dá muito que pensar, para nós mulheres. E para os homens?
Sobre esse aspeto em específico a autora anota, ainda:

"Só mais uma coisa sobre Cassandra: a descrença com que as profecias dela eram recebidas resultava de uma maldição que o deus Apolo lhe lançara, quando ela se recusara a ter relações sexuais com ele. A ideia de que a perda de credibilidade está associada à reivindicação de direitos sobre o próprio corpo estava lá desde o início. Mas, no caso das Cassandras da vida real que vivem entre nós, podemos acabar com a maldição decidindo por nós próprios em quem acreditar e porquê." p.120


Este é apenas um exemplo e uma situação entre muitas expostas pela autora. O ensaio apresentado sobre Virginia Woolf é igualmente soberbo e só posso recomendar. Aliás, este livro, como poderão perceber, recomendo com ambas as mãos, da primeira à última página, na certeza de que Rebecca Solnit será uma autora para seguir atentamente.

Boas leituras.


2 comentários:

Jardim de Mil Histórias disse...

Olá Denise,
Quero muito ler este livro. Acho que vou gostar.
Beijinhos e boas leituras

Denise disse...

Obrigada Isaura, pela visita :)
É uma vontade muito acertada, deixa-me que te diga!
Aposto que sim, que vais gostar. Muito.

Boas leituras!

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